sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

 
Bicho papão
viu moça em flor
e papoula

(Martha Medeiros)

Rondó de uma mulher só

Estou só, quer dizer, tenho ódio ao amor que terei pelo desconhecido que está a caminho, um homem cujo rosto e cuja voz desconheço.

Sempre estive duramente acorrentada a essa fatalidade, amor. Muito antes que o homem surja em nossa vida, sentimos fisicamente que somos servas de uma doação infinita de corpo e alma.

O homem é apenas o copo que recebe o nosso veneno, o nosso conteúdo de amor. Não é por isso que o homem me atemoriza, quando aqui estou outra vez, só, em meu quarto: o que me arrepia de temor é este amor invisível e brutal como um príncipe.

Quando se fala em mulher livre, estremeço. Livre como o bêbado que repete o mesmo caminho de sua fulgurante agonia.

A uma mulher não se pergunta: que farás agora da tua liberdade? A nossa interrogação é uma só e muito mais perturbadora: que farei agora do meu amor? Que farei deste amor informe como a nuvem e pesado como a pedra? Que farei deste amor que me esvazia e vai remoendo a cor e o sentido das coisas como um ácido? É terrível o horror de amar sem amor como as feras enjauladas.

É quando o homem desaparece de minha vida que sinto a selvageria do amor feminino. Somos todas selvagens: são inúteis as fantasias que vestimos para o grande baile. Selvagem era a romana que ficava em casa e tecia; selvagens eram as mulheres do harém, as mais depravadas e as mais pudicas; selvagem, furiosamente selvagem, foi a mulher na sombra da Idade Média, na sua mordaça de castidade; mesmo as santas - e Santa Teresa de Ávila foi a mais feminina de todas - fizeram da pureza e do amor divino um ato de ferocidade, como a pantera que salta inocente sobre a gazela. E selvagem sou eu sob a aparência sadia do biquíni, olhando a mecânica erótica de olhos abertos, instruída e elucidada. Pois não é na voluntariedade do sexo que está a selvageria da mulher, mas em nosso amor profundo e incontrolável como loucura. O sexo é simples: é a certeza de que existe um ponto de partida. Mas o amor é complicado: a incerteza sobre um ponto de chegada.

Aqui estou, só no meu quarto, sem amor, como um espelho que aguarda o retorno da imagem humana. O resto em torno é incompreensível. O homem sem rosto, sem voz, sem pensamento, está a caminho. Estou colocada nesse caminho como uma armadilha infalível. Só que a presa não é ele - o homem que se aproxima - mas sou eu mesma, o meu amor, a minha alma. Sou eu mesma, a mulher, a vítima das minhas armadilhas. Sou sempre eu mesma que me aprisiono quando me faço a mulher que espera um homem, o homem. Caímos sempre em nossas armadilhas. Até as prostitutas falham nos seus propósitos, incapazes de impedir que o comércio se deixe corromper pelo amor. Quantas mulheres traçaram seus esquemas com fria e bela isenção e acabaram penando de amor pelo velhote que esperavam depenar. Somos irremediavelmente líquidas e tomamos as formas das vasilhas que nos contêm. O pior agora é que o vaso está a caminho e não sei se é taça de cristal, cântaro clássico, xícara singela, canecão de cerveja. Qualquer que seja a sua forma, depois de algum tempo serei derramada no chão. Os vasos têm muitas formas e andam todos eles à procura de uma bebida lendária.

Li num autor (um pouco menos idiota do que os outros, quando falam sobre nós) que o drama da mulher é ter de adaptar-se às teorias que os homens criam sobre ela. Certo. Quando a mulher neurótica por todos os poros acaba no divã do analista, aconteceu simplesmente o seguinte: ela se perdeu e não soube como ser diante do homem; a figura que deveria ter assumido se fez imprecisa.

Para esse escritor, desde que existem homens no mundo, há inúmeras teorias masculinas sobre a mulher ideal. Certo. A matrona foi inventada de acordo com as idéias de propriedade dos romanos. Como a mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita, muito docilmente a mulher de César passou a comportar-se acima de qualquer suspeita. Os Dantes queriam Beatrizes castas e intocáveis, e as Beatrizes castas e intocáveis surgiram em horda. A Renascença descobriu a mulher culta, e as renascentistas moderninhas meteram a cara nos irrespiráveis alfarrábios. O romancista do século passado inventou a mulherzinha infantil, e a mulherzinha infantil veio logo pipilando.

O tipos vão sendo criados indefinidamente. Médicos produzem enfermeiras eficientes e incisivas como instrumentos. Homens de negócios produzem secretárias capazes e discretas. As prostitutas correspondem ao padrão secreto de muitos homens. Assim somos. Indiquem-nos o modelo, que o seguiremos à risca. Querem uma esposa amantíssima - seremos a esposa amantíssima. Se a moda é mulher sexy, por que não serei a mulher sexy? Cada uma de nós pode satisfazer qualquer especificação do mercado masculino.

Seremos umas bobocas? Não. Os homens são uns bobocas. O homem é que insiste em ver em cada uma de nós - não a mulher, a mulher em estado puro ou selvagem, um ser humano do sexo feminino - o diabo, a vagabunda, a lasciva, o anjo, a companheira, a simpática, a inteligente, o busto, o sexo, a perna, a esportista... Por que exige de nós todos os papéis, menos o papel de mulher? Por que não descobre, depois de tanto tempo, que somos simplesmente seres humanos carregados de eletricidade feminina?


(O amor acaba: crônicas líricas e existenciais. 2a ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 63-65).
Paulo Mendes Campos

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


Dar não é fazer amor

Dar é dar.
Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...
Te chama de nomes que eu não escreveria...
Não te vira com delicadeza...
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar....
Sem querer apresentar pra mãe...
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...
Te amolece o gingado...
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.
Mas dar é dar demais e ficar vazio.
Dar é não ganhar.
É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro.
É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.
É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar
o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:
"Que que cê acha amor?".
É não ter companhia garantida para viajar.
É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.
Dar é não querer dormir encaixadinho...
É não ter alguém para ouvir seus dengos...
Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito.
Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.
Esse sim é o maior tesão.
Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar
Experimente ser amado... 

(Não sei exatamente quem é o autor, encontrei como sendo de Luís Fernando Veríssimo e também Tatiane Bernardi. Se alguém souber, por favor, me avise).

terça-feira, 13 de dezembro de 2011


    Há muito tempo quero falar sobre alguns fatos e nunca consegui. Hoje consegui escrevendo. E trac! Alguma coisa encaixou aqui dentro.
    Com 8 anos, eu já adorava escrever, mas não compreendia porque. Agora sei que essa era a minha maneira de dar vazão a alguns sentimentos. Assim, eu criava outro mundo, onde não existiam a violência, o álcool e nem os olhos tristes de minha mãe.
    Cresci nesse mundo de fantasia. Até pouco tempo essa era a minha fuga. Só que hoje não quero mais fugir, pois agora compreendo o quanto mal tudo aquilo me fez. A Psicologia tem me ajudado a identificar, a conviver e a sanar algumas dores. Antes era difícil. Eu não entendia o que acontecia e aceitava o rótulo de fraca e covarde. Agora sei o porquê da constância do choro, do medo, da carência, das ilusões, da reclusão, da timidez, da tristeza, da submissão, do silêncio e da permissão.
    Aos 23 anos encarei algumas dores e descobri muito além do prazer de ser mulher. E por mais que muitos  que me rodeiam, não saibam e não compreendam ,eu sei que aquela dor que vem de vez em quando, é muito mais que uma dor.  Só que não quero usá-la como desculpa, mas também não vou permitir os julgamentos.
    Percebi que gosto de escrever (não sou nenhuma ótima escritora sei), porque faz doer bem menos. A Pedagogia também tem esse poder. E através dela tenho a sensação de que posso proteger outras crianças, como eu não fui protegida. A maioria das pessoas jamais compreenderão essa minha paixão.
    Digo que Marx e a Pedagogia "mudaram" minha vida, pois foi a partir deles que me vieram a dúvida, a curiosidade, as reflexões, a coragem, o distanciamento da alienação e as descobertas sobre mim mesma.
    Os relacionamentos ainda são um pouco difíceis, pois sei que ainda há consequências a serem descobertas. Mas também sei que me sinto mais segura, sei bem o que quero para mim. E não quero a dor determinando a minha vida. Não vou me dar desculpas para não ser feliz  e para alcançar os meus objetivos.
    Só decidi falar de coisas que para mim são muito doloridas, como forma de alerta, pois os fatos que acontecem na vida de uma criança até os 7 anos, provavelmente determinarão sua personalidade, a maneira como lidará com suas emoções, com os fatos da vida, com as outras pessoas e com o mundo. Eu como comunista de coração, acredito em um mundo melhor, mas nós temos que começar a lutar por ele hoje.
 
    A dor é inevitavel, mas o sofrimento
é opcional (Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011


Próximo dia 11, 24 primaveras. E ainda há “vestígios de Alice”.
Esse ano fui novamente apresentada à dor, mas dessa vez nenhuma de nós vem venceu. Pelo menos eu não sei contabilizar o fato.
Mas esse ano eu mudei. Mudei sem que nem percebesse, porque mudança é assim.
Noto que não desejo mais ser aquela de outrora e percebo também que desejo ser aquela de outrora.
Alcançei algo que gostaria muito: uns goles de maturidade!  Que também só percebi agora.
Que maturidade tem haver com não correr para o colo da mamãe quando os problemas sufocam, mas que se eu correr para o colo da mamãe quando os problemas sufocarem, isso não vai fazer de mim uma pessoa menos madura, desde que eu enfrente os meus desafios.
Que maturidade tem haver com reconhecer as consequências de nossos atos, que não posso culpar o outro, pois o mundo não é feito de mocinhos e vilões, todo mundo têm um lado mocinho e vilão. Inclusive eu. 
Que posso me lamentar pelo resto da vida e me tornar uma pessoa amarga ou que posso perdoar algumas pessoas e escolher ser feliz.
Que nunca amei realmente um homem, além de meu pai. Que se apaixonar nos faz ridicularmente felizes e contrários. Que algumas vezes a paixão causa dor, mas não estar apaixonada deixa a vida tão sem graça.  Porém algumas vezes é melhor estar sozinha, do que não tão bem acompanhada.
Que algumas vezes a melhor opção é o silêncio. Que vou morrer aprendendo. Que tenho de respeitar meus limites, que farei coisas que achava que nunca faria e que não farei coisas que achava que faria.
Aceitei que vou ser tímida para o resto da vida, afinal isso faz parte de minha essência. E que essa timidez não me impedirá de fazer um monte de coisas, inclusive de dançar.
Destituí neuras. Instituí neuras. Coisas que encobri e que um dia vou ter que descobrir. Mas esse será um outro episódio do folhetim mexicano.
Reconfirmei a importância de minha saúde, principalmente a mental e descobri que existem inúmeras possibilidades de olhar, de sorrir, de chorar, de sentir, de aprender, de caminhar, de construir, de existir e que para sempre é muito tempo...


Me nego a viver em um mundo ordinário como uma mulher ordinária
A estabelecer relações ordinárias
Necessito o êxtase
Não me adaptarei ao mundo
Me adapto a mim mesma
(Anaïs Nin)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


Errro

Deveria vir um tímido sorriso ou ao menos satisfação
Nem que fossem em vadias faíscas
Mas nem isso
Há apenas um sentimento, que não
é
ruim 
Mas também não é bom 
Presença com contorno de ausência
Assim eu não quero
Estou cheia de me sentir vazia
Não tenho pressa
Só que não tenho a vida inteira...